Entidades do funcionalismo têm retorno da PEC 32 e denunciam riscos à estabilidade, à qualidade do serviço público e ao modelo de Estado

A proposta de Reforma Administrativa voltou a ganhar fôlego no Congresso Nacional e reacendeu o alerta entre os servidores públicos. A expectativa é que, nas próximas semanas, seja instalada uma comissão especial na Câmara dos Deputados para discutir o tema. A entrega mobiliza as entidades do funcionalismo, que veem na retomada das discussões o risco da volta de pontos da PEC 32/2020 — apresentada ainda no governo Bolsonaro, mas que acabou travada após forte protesto das categorias.

Segundo os apoiadores da reforma, o objetivo da PEC é modernizar o Estado, tornando a máquina pública mais ágil e eficiente. Mas representantes de servidores e especialistas têm que, na prática, as mudanças resultam em maior precarização das relações de trabalho, enfraquecimento da estabilidade e abertura para restringir políticas em cargas técnicas.

— O que estamos vendo é uma tentativa de retornar com uma agenda que enfraquece o serviço público, restringir direitos dos servidores e abrir espaço para privatizações — afirma João Paulo Ribeiro, dirigente nacional da Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB): — A lógica de transformar tudo em mercadorias ainda está presente. Isso ameaça o SUS, a educação pública, o saneamento e até a assistência social. Não se trata apenas da carreira do servidor, mas do modelo de Estado que se quer.

 

Estabilidade restrita?

Entre os principais pontos de preocupação está a proposta de restrições à estabilidade para apenas algumas carreiras. Para Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), isso compromete a autonomia do servidor.

— A estabilidade é frequentemente tratada como privilégio, mas, na verdade, é uma proteção ao servidor para que ele atue com independência, em defesa do interesse público, sem sofrer pressões políticas. Ao limitar esse direito, a PEC 32 deixa a maior parte dos servidores vulneráveis a perseguições e demissões arbitrárias.

A proposta também prevê mudanças nas formas de contratação. A possibilidade de contratos temporários de até dez anos, sem a exigência de concurso público, preocupa especialistas.

— Isso abre brechas para o clientelismo e o aparelhamento político. Além disso, pode gerar insegurança jurídica e sobrecarregar o Judiciário com disputas trabalhistas — avalia o advogado Alexandre Prado, especialista em Direito Administrativo.

 

Parcerias

Outro ponto crítico é a ampliação de parcerias com o setor privado para a execução de serviços públicos. Para os entrevistados, isso pode afetar a qualidade e a universalidade do atendimento à população.

— A entrega de funções essenciais como saúde, educação e segurança à iniciativa privada coloca em xeque o princípio da impessoalidade e da continuidade das políticas públicas — diz Prado.

O presidente do Fonacate também alerta para o impacto sobre a estrutura das carreiras públicas. Segundo ele, a rotatividade e a perda de memória técnica comprometem o planejamento e a execução de políticas de longo prazo.

— Sem estabilidade e com vínculos precários, a administração pública perde qualidade e eficiência — afirma Marques.

 

Aspectos positivos

Apesar das críticas, há quem veja os aspectos positivos da proposta, como a valorização do desempenho do servidor. Para Alexandre Prado, avaliações bem estruturadas podem ajudar a premiar o bom servidor e incentivar a qualificação.

— O problema é que, sem critérios objetivos e com pouca transparência, isso pode virar ferramenta de perseguição — ressalta.

 

Falta de diálogo

A falta de diálogo é outro ponto comum nas críticas de representantes do funcionalismo. Segundo eles, a proposta está sendo debatida sem escuta das categorias envolvidas e sem transparência sobre o conteúdo.

— Nada é apresentado para quem executa o serviço público. O debate está sendo feito entre empresários, gestores e políticos sem acúmulo técnico sobre o tema — afirma João Paulo Ribeiro, em referência ao deputado Zé Trovão (PL-SC), cotado para presidir a comissão especial.

João Domingos, presidente da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB), destaca que a Reforma Administrativa faz parte de um processo mais amplo, de transformação do Estado. Ele defende que esse debate não pode ser feito de forma ideológica ou apressada.

— O Estado sem servidor público é uma utopia jurídica. É o servidor que materializa a presença do Estado na vida das pessoas. O debate precisa ser técnico e plural, com participação da sociedade civil e dos trabalhadores. A Reforma Administrativa não pode ser tratada como pauta de governo e sim de país.

 

Mobilização entre Poderes

A CSPB, que representa servidores das três esferas e dos três poderes, vem frequentar espaços de negociação com o governo federal e centros sindicais. A entidade defende a criação de mecanismos de valorização das carreiras e melhoria da gestão, mas com diálogo e responsabilidade social.

Diante do avanço das articulações no Congresso, as entidades se preparam para retomar a mobilização que barrou a PEC 32 em 2021. A estratégia inclui a atuação em assembleias legislativas, câmaras municipais e junto à população.

— Vamos repetir a mobilização à exaustão. O que está em jogo é o modelo de Estado que o Brasil quer. Nosso foco conversará diretamente com o cidadão, que depende dos serviços públicos e financeiros do Estado com seus impostos — afirma João Domingos.

Procurado para falar sobre a reforma, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos não se manifestou.

 

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